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Carnaval de Lazarim: caretos e senhorinhas, em Berço do Mundo

Carnaval em Lazarim: caretos e senhorinhas

O Carnaval em Lazarim é um dos mais genuínos do país. Tem caretos de madeira, demónios e senhorinhas, caldo de farinha, tradição e catarse  

Um rosto demoníaco de chifres pontiagudos esgueira-se, sorrateiro, para junto de uma turista. O corpo está escondido num traje de ráfia. A jovem mulher volta-se, num susto, encarando a figura que parece saída dos seus terrores nocturnos.

Outras máscaras se misturam com a multidão, correndo e saltando, soltando urros. Umas são carrancudas, outras animalescas, acentuadas por orelhas bicudas, cornos afiados, pequenas barbichas, cobras ou sardões. Mas existem outras mais ou menos sorridentes. O que todas têm em comum? Estão despidas de cor, para honrarem a arte de quem as esculpiu, em madeira de amieiro.

Os caretos (masculinos) e as senhorinhas (personagens femininas) explicam porque Lazarim disputa, juntamente com Podence, o título do Entrudo mais tradicional do país. É verdade que os caretos de Podence, no distrito de Bragança, foram distinguidos como património imaterial pela UNESCO. Mas o Carnaval em Lazarim não é menos genuíno e as suas máscaras estão entre o melhor artesanato que se faz em Portugal.

caretos de Lazarim

As raízes carnavalescas da pequena Lazarim, aldeia com apenas 500 habitantes próxima de Lamego, são ancestrais e imersas em rituais pagãos. Talvez por isso o Estado Novo as tenha combatido, sem sucesso.

A clandestinidade das suas tradições sente-se até hoje: sob o anonimato da máscara, o Entrudo de Lazarim convida ao exagero. Mas se há relatos de antigos ajustes de contas e de perseguição das meninas solteiras, para as “chocalharem”, hoje os mascarados são mais esculturas vivas que ensaiam poses para as máquinas fotográficas.

Para saber mais sobre estas máscaras que povoam o Nordeste de Portugal, e os seus rituais, recomendamos uma visita ao Centro Interpretativo da Máscara Ibérica, no remodelado solar dos Viscondes de Lazarim. A exposição permanente, de acesso gratuito, inclui trajes, máscaras e outros objectos relacionados com os Entrudos de Portugal e Espanha.

Centro Interpretativo da Máscara Ibérica

Programa do Carnaval de Lazarim

Em Lazarim, o essencial da festa realiza-se nos quatro dias anteriores ao Carnaval. Naqueles dias, a aldeia enche-se de actividades de promoção dos caretos, como o encontro com os artesãos (Sábado), o raid fotográfico e o desfile etnográfico (Domingo), com caretos locais e também convidados de fora, ao som de sonantes bombos.

Milhares de pessoas visitam a aldeia naqueles dias, mas é na Terça-feira gorda que Lazarim “rebenta pelas costuras”. Na tarde de Carnaval, as novas máscaras saem à rua, misturando-se com a multidão, antes da guerra dos testamentos. Sim porque o Carnaval em Lazarim, uma das mais curiosas festas populares portuguesas, está também associado ao ancestral jogo de rivalidade entre sexos.

As raparigas solteiras (comadres) apresentam o “testamento da burra”, uma crítica mordaz aos rapazes da aldeia. O texto brejeiro e picante não poupa críticas, como se as verdades tivessem sidos todas guardadas, pacientemente, para esta ocasião.

Carnaval de Lazarim

A resposta é dada pelo “testamento do burro”, dos compadres. O moço aperaltado, de patilhas bem marcadas e chapéu domingueiro, responde à altura com a sátira e caricatura dirigida ao sexo feminino. Estes testamentos burlescos e implacáveis não só arrancam gargalhadas aos visitantes, como fazem corar as pedras da calçada…

Mais tarde, um compadre e uma comadre de palha são queimados – este gesto simbólico de purificação, tão comum no Carnaval, dava uma tese de doutoramento -, antes do concurso de máscaras premiar os artesãos. Tudo termina em alegre convívio, ao final da tarde, quando se serve feijoada e caldo de farinha.

O banquete é gratuito, para moradores e visitantes, bastando para isso comprar a tigela ou caneca para provar as iguarias, feitas em panelas de ferro. O caldo, típico da região, é feito com farinha de milho, couves e enchidos de porco. A feijoada de feijão branco é igualmente farta em enchidos, entrecosto e orelha de porco. Tudo regado com o vinho tinto da região, para ajudar a afugentar o frio que caracteriza estes dias de folia.

folia de Carnaval

 

Dicas úteis para visitar Lazarim

Como chegar

Há alguns autocarros até Lamego, mas lembre-se que Lazarim fica a 12 km e não há ligações de transportes públicos muito regulares. O melhor é chegar de carro, e cedo, porque não há parques de estacionamento em Lazarim. Os carros vão sendo encostados à beira da estrada que conduz à aldeia. Há tours de vários pontos do país até Lazarim, sobretudo na terça-feira de Carnaval, o que se traduz em autocarros que dificultam o acesso.

Um aspecto negativo é a passagem de autocarros no centro da aldeia, em horários em que está apinhada de visitantes [a organização tem que pensar seriamente em alternativas mais seguras e cómodas].

Do Porto: Lazarim fica a cerca de 140 km do Porto. Siga pela auto-estrada A4 até Vila Real, depois IP3/A24 até Lamego, apanhando a saída 9 em direcção a Tarouca/Lamego/Moimenta da Beira. Siga pela estrada nacional 226 e depois estrada municipal 521.

De Lisboa: o caminho é mais longo (cerca de 340 km). Para o trajecto mais rápido, deve apanhar a auto-estrada para Norte até Coimbra, onde deve sair para o IP3. Cerca de 46 km depois, deve seguir pela saída 8 em direcção a N2/Bigorne até cortar à direita para a estrada municipal 521.

caretos à solta

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